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No Deserto do Atacama - Ruta del Desierto

“Você ganha força, coragem e confiança em toda experiência em que você encara o seu medo. Você deve fazer aquilo que pensa que não pode fazer.” (Eleanor Roosevelt)

Coloquei essa frase em minha página do Facebook a algum tempo por achar bacana. Mas nessa aventura foi que isso passou verdadeiramente a fazer sentido para mim, principalmente nesse trecho da viagem. Vou explicar.


A saída de Arica foi bem tranquila, seguimos pela Estrada Panamericana, muito bem cuidada e sinalizada em direção a Iquique. Logo alcançamos a primeira elevação, a "Cuesta Acha" a uns 16 quilômetros, curta mas com grandes penhascos. A pilotagem era gostosa e tranquila pois a pista é excelente. Pouco depois passamos por esculturas muito bonitas que, mais tarde, descobri chamarem-se "Presenças Tutelares", atribuídas ao artista Juan Diaz Fleming.

As "Cuestas" da região de Arica são consideradas perigosas por suas estradas cortarem grandes elevações entre penhascos vertiginosos e montanhas onde são frequentes os desmoronamentos. A paisagem do deserto do Atacama aqui é composta de montanhas e montanhas de cobre, dando a impressão de se navegar por outro planeta.


A estrada era entremeada por longas retas, vales e cuestas. A paisagem, sempre lunar mas nunca monótona, surpreendia a cada trecho e pela borda dos canions surgiam as mais belas paisagens do deserto. O clima era surpreendentemente agradável.

Passamos por diversas placas de alerta de "derrumbes" e "peligro" mas sem encontrar problemas. A pista estava sempre limpa e bem cuidada - até chegarmos a uma obra com parada obrigatória. Demoramos um bom tempo por ali, mas levamos água e os operários nos cederam o banheiro químico para uso. Havia uma grande fila de caminhões e carros aguardando também.

Eu estava bem tranquila: Embora a placa colocada no início da obra fosse especificamente destinada aos motociclistas, eu imaginava que aquela frase "riesgo de caidas" quisesse dizer que poderia haver mais "derrumbes", pedras ou terra no caminho. Logo eu, que havia passado pelas íngremes subidas da Cordilheira... o que viesse seria fácil, né?

Mas não foi tranquilo não. Aliás, foi aterrorizante! Tá vendo essas pedras aí atrás de mim? Bem, o caminho era OU assim OU de brita OU de terra e lama - isso tudo à beira de um precipício, pois as duas pistas estavam em obra e à direita era impossível transitar de moto pois havia uns dez centímetros de altura de brita substituindo a pista, para os veículos passarem. Restava aquele caminhozinho escorregadio e cheio de pedras soltas na beira do abismo. AIMEUDEUSOOO!!!! Tive uns três segundos de pânico ao notar que qualquer escorregadinha era fatal; Bueno passou à minha frente buscando me guiar pelo caminho menos pior e eu, respirando fundo, percebi que não dava para parar, pois tinha todo um trânsito de caminhões e carros coladinhos na minha traseira.


Engraçado como nessas situações você fica racional... De repente eu estava consciente de que daria tudo certo, bastava eu manter a tranquilidade e não "brigar" com a moto. Segurando suavemente o guidom e olhando somente para as saídas (lógico que evitei olhar para o fundo do precipício), fui ficando bem tranquila pelos longos quilômetros (não sei quantos, mas foram bem uns quatro ou cinco) daquela loucura com poucas áreas de pista razoável e novas beiradinhas para pilotar. E, novamente, a pista voltou a ser aquela maravilha do início da viagem. Restava rezar para acabarem-se as cuestas e suas obras. Lembrei de alguns amigos que cortaram a estrada da morte na Bolívia. Juro que não entendo o que os motociclistas vão fazer lá! Bem, sobrevivi. Então, bora continuar!

A partir desse ponto a estrada passou por suaves depressões e alguns vales. Em Huara passamos por um posto dos Carabineros na pista, mas a fiscalização é feita somente em veículos de carga e só nos comprimentaram. Após a entrada de Iquique a paisagem passou a ser mais desoladora, retas de pouquíssimas áreas com alguma vegetação típica de deserto, com alguns pontos para estacionamento e fotografia. Ao fundo à esquerda, a cordilheira em sua porção costeira; à frente, outra reta infinita. O mar, em algum lugar a poucos quilômetros, à direita.

Passamos por regiões de imensos salares, depósitos salinos continentais ricos em compostos de lítio, potássio, boro e sódio, de enorme interesse econômico. É a grande riqueza dessa região.

Diferente do que vimos nas Cordilheiras no Peru, no Atacama não encontramos nenhuma informação sobre postos de abastecimento, apesar de cruzarmos por vários caminhões de combustíveis. Vale ressaltar que são os únicos caminhões que vimos trafegando pelas estradas do Peru e do Chile, pois ambos países usam bastante o transporte ferroviário para escoamento de produção. Cruzamos várias vezes por linhas férreas nos dois países.


Passamos por vários povoamentos e entradas de cidades. O consumo de nossas motos estava maior agora, com a mudança do ritmo da viagem. O primeiro abastecimento foi tranquilo, mas quando encontramos o posto de combustível da outra localidade, este estava sem gasolina. E o próximo. E mais outro. Aí começamos a ficar preocupados pois o ponteirinho do marcador de gasolina estava começando a colar muito pra esquerda. Paramos em um estacionamento onde havia alguns caminhões e pedimos informações. Descobrimos que teríamos que sair da pista e rodar 27 km até María Elena, uma oficina (cidade) salitreira, onde havia um posto onde nunca falta gasolina. E lá fomos nós em busca do abastecimento. Eu já estava na reserva.


Fizemos o desvio por uma boa estrada que seguia para Tocopila até a entrada de María Elena, que abriga a última salitreira operando no mundo.

O posto ficava logo na entrada da cidade e tinha um grande movimento. Conversamos um pouco com os locais e percebi que a cidadezinha guarda muito da história extrativista da região.


Fiquei com vontade de entrar e conhecer a cidade, mas ainda faltavam pouco mais de 200 km para Antofagasta, nosso destino do dia e não sabíamos se ainda teríamos alguma surpresa pelo caminho.


Continuamos nossa viagem até Antofagasta. A cordilheira se derrama sobre o mar na cidade: Você chega descendo a sua porção costeira e logo está à beira do Pacífico. Uma cidade portuária, bem populosa, conhecida no Chile como a Pérola do Norte.


Buscamos o centro da cidade à procura de hotel com estacionamento para nossas máquinas. Aí algo muito interessante aconteceu: Onde nós passávamos, TODOS os alarmes dos carros estacionados disparavam... OOOPS! Seguimos acordando os carros por umas duas quadras e resolvemos parar com aquele espetáculo, estacionando as motos antes que alguma autoridade nos repreendesse ou algo pior. Por sorte, bem perto de um hotel - com estacionamento! Ali notamos que as motos da cidade, de qualquer potência, não tinham som alto.


Foram muitas emoções em um só dia. No outro, seguiríamos para a Mão do Deserto. Era hora de relaxar e experimentar a culinária chilena na companhia de um bom vinho.

Eu havia feito algumas coisas que pensara não conseguir fazer. Bueno, como sempre, me ajudando a encarar meu medo. Como não amar?


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